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quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Míngua de Víveres

A fundamental condição humana é a insatisfação.

Não é? Tem de ser! Do contrário, porque é que constantemente sinto esse vazio que, contraditoriamente, preenche de maneira absurda cada partícula de meu ser?

Meu único consolo seria saber que essa insatisfação, essa insidiosa sensação de que falta algo para ser preenchido e fazer com que meu corpo, minha mente e meu espírito se tornem um, fosse tão somente uma faceta constante e permanente, incrustrada no código genético e emocional do ser humano.

Mas como? Por que haveria essa expressão influente do nada sobrepujar tudo aquilo que procuro para me preencher e então penetrar, em seu infinito vácuo de sentimentos, cada veia, artéria, órgão, imagem, pensamento e palavra?

Seria essa pequena criatura pensante, que não obstante perseguir e vivenciar inúmeras e diversas experiências, sempre visando sorver cada gota do cálice da vida, apenas um demônio da gula? Que, mesmo tendo em si tudo o que precisa para se considerar satisfeita, continuar a querer consumir mais e mais, sem nunca saber a hora de parar?

Não... A Gula, tão bem posicionada dentre os tradicionais pecados mortais, não poderia ser alojada perfeitamente à esta condição. Pois a Gula pressupõe a ausência de necessidade, a inexistência de falta. Não... Enquanto escrevo, tudo se torna claro...

O que sinto é Fome.

Essa avidez, o desejo insaciável de ingerir, eucaristicamente, qualquer coisa capaz de saciar e expulsar do peito o vazio que, imaterial, ocupa espaço. Esta é a origem dessa sofreguidão, mal estar, fraqueza.

Esse apetite aniquilador é o que faz com que todas as experiências, conhecimentos e aprendizados adquiridos sejam tragados vorazmente, consumidos por esta digestão mental visando extrair os sumos e nutrientes da alma, de forma tão fugaz que a satisfação por eles fornecida se torna apenas brisa morna em meio à tempestade, esvaindo-se como se jamais houvesse estado lá.

E é então que ela retorna, rastejante, impregnando com seu hálito gelado a boca do estômago, e apertando com as extremidades recurvas e pontiagudas de suas garras, o coração.

Mais uma vez o parasita se aloja, e tudo o que resta ao seu hospedeiro é procurar outra coisa para comer...

E.

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